Catequese do Papa Bento XVI.
A ORAÇÃO EXPRESSA
A CONFIANÇA NA PRESENÇA DIVINA
07.09.2011 - Cidade do Vaticano:
Nesta
quarta feira Bento XVI deixou a residência pontifícia de
Castel Gandolfo para a audiência geral que teve lugar ao ar
livre na Praça de S. Pedro, no Vaticano. No final da
audiência, o Papa regressou de helicóptero a Castel Gandolfo.
Na
catequese de hoje, o Pontífice meditou alguns salmos,
Livro de Oração por excelência, retornando ao ciclo
de catequeses sobre a oração, iniciado em 4 de maio passado.
Caros
irmãos e irmãs,
Retomamos hoje as audiências gerais na Praça de São Pedro, e
na escola da oração que estamos vivemos juntos
nestas catequeses de quarta-feira, gostaria de iniciar a
meditação de alguns salmos, que como eu dizia em junho deste
ano, formam um livro de orações por excelência.
O
primeiro Salmo sobre o qual me concentro hoje é um
Salmo de lamento e de súplica, mas permeado de profunda
confiança, na qual a certeza da presença de Deus fundamenta
a oração que brota de uma condição de extrema dificuldade
onde se encontra o orante.
Se
trata do Salmo 3, que pela tradição hebraica, é atribuído a
Davi, no momento que foge da presença de Absalão: é um dos
episódios mais dramáticos e sofridos na vida do rei, quando
seu filho rouba o seu trono real e o obriga a deixar
Jerusalém para salvar a vida.
A
situação de perigo e de angústia experimentada por Davi é
retratada nesta oração, o que nos ajuda a compreendê-la,
apresentando-se como uma situação típica na qual um tal
salmo pode ser recitado. No grito do Salmista, cada homem
pode reconhecer aqueles sentimentos de dor, de amargura e
juntamente com isto, a confiança em Deus que,
segundo a narração bíblica, haviam acompanhado a fuga de
Davi desde de sua saída da cidade.
O
salmo inicia com uma invocação ao Senhor:
"Senhor, como são numerosos os meus perseguidores!
é uma turba que se dirige contra mim.
Uma multidão inteira grita ao meu respeito:
Não, não há mais salvação para ele em seu Deus!"
A
descrição que o orante faz da situação é também marcada por
tons fortemente dramáticos. Por três vezes se reafirma a
idéia de multidão - "numerosos, muitos, tantos"
- que no texto original é dita com a mesma raiz hebraica,
para destacar ainda mais a grandiosidade do perigo, em modo
repetitivo, quase martelante.
Esta
insistência no número e na quantidade dos inimigos, serve
para exprimir a percepção, da parte do Salmista, da absoluta
desproporção existente entre ele e seus perseguidores, uma
desproporção que justifica e fundamenta a urgência do seu
pedido de ajuda: Os opressores são muitos, estão em
vantagem, enquanto que o orante está sozinho e indefeso, sob
o poder dos seus agressores. E mais, a primeira
palavra pronunciada pelo salmista é "Senhor",
o seu grito inicia com a invocação a Deus.
Uma
multidão se lança contra ele, gerando um medo que aumenta e
ameaça, fazendo-a parecer ainda mais grande e aterrorizante,
mas o orante não se deixa vencer por esta visão de morte,
mantém forte o relacionamento com o Deus da vida e a Ele
por primeiro se volta, procura de ajuda. Mas, o
inimigos tentam também quebrar esta ligação com Deus e
enfraquecer a fé da vítima deles. Esses insinuam que o
Senhor não pode intervir, afirmam que nem mesmo Deus pode
savá-lo.
A
agressão, portanto, não é somente física, mas toca a
dimensão espiritual: "o Senhor não pode salvá-lo"
- dizem -, o núcleo central da alma do Salmista é agredido.
È a extrema tentação a qual o fiel é submetido, é a
tentação de perder a fé, a confiança na proximidade de Deus.
O
justo supera a última prova, permanece firme na fé, na
certeza da verdade e na plena confiança em Deus, e
exatamente nisso entra a vida e a verdade. Me parece
que aqui, o Salmo nos toca muito pessoalmente: em tantos
problemas somos tentados a pensar que talvez também Deus não
nos salva, não nos conhece, e que talvez não exista uma
possibilidade de saída; a tentação contra a fé é a
última agressão do inimigo, e a este devemos
resistir, assim, encontraremos Deus e encontraremos a vida.
O
orante do nosso Salmo é, portanto, chamado a responder
com a fé, aos ataques dos ímpios: os inimigos - como
eu disse - negam que Deus possa ajudá-lo, Davi, mesmo assim,
O invoca, O chama por nome, "Senhor", e depois se volta a
Ele com um "tu" enfático, que exprime um relacionamento
firme, sólido, e traz consigo a certeza da resposta divina:
"Mas sois vós Senhor o meu escudo, vós sois a minha
glória, vós levantais a minha cabeça. Apenas elevei a voz ao
Senhor, ele me responde da sua montanha santa".
A
visão dos inimigos agora desaparece, não venceram, porque
quem crê em Deus é seguro que Deus é amigo dele: "fica
somente o "Tu" de Deus. Diante de muitos está um somente,
mas muito maior e potente que muitos adversários. O
Senhor é auxílio, defesa, salvação, como escudo protege quem
confia nEle, e Ele por sua vez, eleva a cabeça do oprimido,
em um gesto de triunfo e de vitória. O Homem não
está mais sozinho, os inimigos não são imbatíveis como
pareciam, porque o Senhor escuta o grito do oprimido e
responde do lugar da sua presença, da seu monte santo.
O homem grita, na angústia, no perigo, na dor, o homem
pede ajuda, e Deus responde.
Este
entrelaçar-se de grito humano e resposta divina
é a dialética da oração e a chave de leitura de toda a
história da salvação. O grito exprime a necessidade
de ajuda e se apela à fidelidade do outro; gritar quer dizer
colocar um gesto de fé na proximidade e na disponibilidade
de Deus.
A
oração exprime a certeza de uma presença divina já
experimentada e acreditada, que na resposta salvífica de
Deus, se manifesta em plenitude. Isto é relevante: que na
nossa oração seja importante, presente, a certeza da
presença de Deus. Assim, o Salmista, que se sente
assediado pela morte, confessa a sua fé no Deus da vida,
que, como escudo, o cerca com uma proteção invulnerável;
quem pensava que estava de uma vez por todas perdido, pode
elevar a cabeça, porque o Senhor o salva. O orante, ameaçado
e escarniado, está na glória, porque Deus é a sua glória.
A
resposta divina que acolhe a oração, dá ao salmista uma
segurança total;
desaparece o medo, o grito se aquieta na paz, em uma
profunda tranqüilidade interior.
"Eu, que tinha deitado e adormecido, levanto-me porque
o Senhor me sustenta. Nada temo diante desta multidão
numerosa, que de todos os lados se dirige contra mim".
O
orante mesmo em meio ao perigo e a batalha, pode adormecer
tranqüilo, em uma inevocável atitude de abandono confiante.
Ao redor dele, os adversarios acampam, o circundam, são
muitos, se erguem contra ele, o escarnecem e tentam fazê-lo
cair, mas diante disso, ele se deita e dorme tranquilo e
sereno, seguro da presença de Deus.
E
quando se levanta, encontra Deus ainda ao seu lado,
como guardião que não dorme, que lhe sustenta, o segura pela
mão, não o abandona nunca. O medo da morte é vencido
pela presença daquele que não morre. E exatamente a noite,
cheia dos temores de sempre, a noite dolorosa da solidão e
da espera angustiada, agora se transforma: o que invoca a
morte se torna presença do Eterno.
À
visibilidade do assalto inimigo, maciço, imponente, se
contrapõe a invisível presença de Deus, com toda a sua
invencível potência. E é à Ele que de novo o Salmista,
depois das suas expressões de confiança, faz a oração:
"Levante-se Senhor! Salva-me, Deus meu". Os
agressores se levantavam contra a vítima deles, que ao
contrário deles, se levantará ao Senhor, e o fará, para
vencê-los.
Deus o
salvará, respondendo ao seu grito. Por isto, o salmo se
conclui com a visão da libertação do perigo que mata e da
tentação que pode fazer perecer. Depois, o pedido voltado ao
Senhor de levantar-se para salvá-lo, o orante descreve a
vitória divina: os inimigos que, com suas injustas e cruéis
opressões, são símbolo de tudo aquilo que se opõe à Deus e
ao seu plano de salvação, são derrotados.
Atingidos na boca, não poderão mais agredir com a destrutiva
violência deles e não poderão mais insinuar o mal da dúvida
na presença e na ação de Deus: o falar insensato e blasfemo
deles é definitivamente desmascarado e reduzido ao silêncio
da intervenção salvífica do Senhor. Assim, o Salmista pode
concluir a sua oração com uma frase das conotações
litúrgicas que celebra, na gratidão e no louvor, o Deus da
vida: "A salvação vem do Senhor, sobre o seu povo a
sua benção".
Caros
irmãos e irmãs,
o Salmo 3 nos apresentou uma súplica plena de
confiança e de consolação. Rezando este salmo,
podemos fazer nossos, os sentimentos do Salmista, figura do
justo perseguido que encontra em Jesus a sua plenitude. Na
dor, no perigo, na amargura e na incompreenssão e nas
ofensas, as palavras do Salmo abrem o nosso coração à
certeza confortante da fé.
Deus é
sempre próximo
- também nas dificuldades, nos problemas, nas obscuridades
da vida - escuta, responde e salva ao seu modo. Mas
necessita saber reconhecer a sua presença e aceitar as suas
vias, como Davi na sua fuga humilhante do filho de
Absalão, como o justo perseguido do livro da Sabedoria e,
por ultimo e completamente, como o Senhor Jesus no
lugar chamado Gólgota.
Que o
Senhor nos dê a fé, nos ajude na nossa fraqueza e nos torne
capazes de crer e de rezar em meio a todas as angústias, nas
noites dolorosas da dúvida e nos longos dias de dor,
abandonando-nos com confiança nEle que é nosso escudo e
nossa Glória.
Obrigado.
Amados
peregrinos de língua portuguesa, a minha saudação amiga para
todos, em particular para os fiéis de várias paróquias das
cidades de Santo Amaro, São João del Rei e São Paulo,
desejando que este Salmo três vos sirva de portal na vossa
peregrinação a Roma: da infinidade de coisas – tantas vezes
duras – da vida, aprendei a elevar o coração até ao Pai do
Céu, repousando no seio da sua infinita bondade, e vereis
que as dores e aflições da vida vos farão menos mal. Sobre
todos, e extensiva aos familiares e comunidades eclesiais,
desça a minha Bênção Apostólica.
Fonte: Boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé.