A Comunhão
de joelhos,
é a adoração a Deus.
D. Albert Malcolm
Ranjith, Secretário da Congregação do Culto Divino e da
Disciplina dos Sacramentos
O Prefácio de D. Malcolm Ranjith, Secretário da Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos à obra “Dominus Est - Riflessioni di un Vescovo dell'Asia Centrale sulla sacra Comunione”, escrito por D. Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Karaganda (Cazaquistão)
No livro do Apocalipse, São João narra que tendo visto e
ouvido o que lhe havia sido revelado, se prostrava em
adoração aos pés do Anjo de Deus (cf. Ap. 22, 8).
Prostrar-se ou ajoelhar-se ante a majestade da presença de
Deus, em humilde adoração, era um hábito de reverência que
Israel manifestava sempre ante a presença do Senhor.
Diz o
primeiro livro dos Reis: “Quando Salomão acabou de
dirigir a Javé toda essa oração e súplica, levantou-se
diante do altar de Javé, no lugar em que estava ajoelhado e
de mãos erguidas para o céu. Ficou em pé e abençoou toda a
assembléia de Israel” (1 Reis 8, 54-55). A postura
da súplica do Rei é clara: ele estava genuflectido perante o
altar.
A
mesma tradição se encontra também no Novo Testamento onde
vemos Pedro ajoelhar-se diante de Jesus (cfr
Lc 5, 8); Jairo para Lhe pedir que cure a sua filha
(Lc 8, 41); o Samaritano quando volta para
agradecer-Lhe e a Maria, irmã de Lázaro, para Lhe pedir a
vida em favor de seu irmão (Jo 11, 32). A mesma
atitude de se prostrar, devido ao assombro causado pela
presença e revelação divinas, nota-se não raramente no livro
do Apocalipse (Ap 5, 8, 14 e 19, 4).
Estava
intimamente relacionada com esta tradição a convicção de que
o Templo Santo de Jerusalém era a casa de Deus e portanto
era necessário dispor-se nele em atitudes corporais que
expressassem um profundo sentimento de humildade e de
reverência na presença do Senhor.
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Também
na Igreja, a convicção profunda de que sob as
espécies
eucarísticas o Senhor está verdadeira e realmente presente,
e o crescente costume de conservar a santa comunhão nos
tabernáculos, contribuiu para a prática de ajoelhar-se
em atitude de humilde adoração do Senhor na Eucaristia.
Com
efeito, a respeito da presença real de Cristo sob as
espécies Eucarísticas, o Concilio de Trento proclamou:
“in almo sanctae Eucharistiae sacramento post panis et vini
consecrationem Dominum nostrum Iesum Christum verum Deum
atque hominem vere, realiter ac substantialiter sub specie
illarum rerum sensibilium contineri” (DS 1651).
Além
disso, São Tomás de Aquino já tinha definido a Eucaristia
latens Deitas (S. Tomás de Aquino, Hinos). A fé na presença
real de Cristo sob as espécies eucarísticas já pertencia
então à essência da fé da Igreja Católica e era parte
intrínseca da identidade católica. Era evidente que
não se podia edificar a Igreja se esta fé fosse minimamente
desprezada.
Portanto, a Eucaristia –
Pão transubstanciado em Corpo de
Cristo e vinho em Sangue de
Cristo, Deus em meio a nós – devia ser
acolhida com admiração, máxima reverência e atitude de
humilde adoração.
O Papa
Bento XVI recordando as palavras de Santo Agostinho “nemo
autem illam carnem manducat, nisi prius adoraverit; peccemus
non adorando” (Enarrationes in Psalmos 89, 9; CCLXXXIX,
1385) ressalta que “receber a Eucaristia significa
colocar-se em atitude de adoração d’Aquele que comungamos
(...) somente na adoração pode amadurecer um acolhimento
profundo e verdadeiro” (Sacramentum Caritatis, 66).
Seguindo esta tradição, é claro que adotar gestos e
atitudes do corpo e do espírito que facilitam o silêncio, o
recolhimento, a humilde aceitação de nossa pobreza diante da
infinita grandeza e santidade d’Aquele que nos vem ao
encontro sob as espécies eucarísticas, torna-se coerente e
indispensável. O melhor modo para exprimir o nosso
sentimento de reverência para com o Senhor Eucarístico seria
seguir o exemplo de Pedro que, como nos narra o Evangelho,
se lançou de joelhos diante do Senhor e disse “Senhor,
afasta-te de mim, porque sou um pecador!” (Lc 5, 8).
Ora,
nota-se que nalgumas igrejas, tal prática se torna cada vez
mais rara e os responsáveis não só impõem aos fiéis receber
a Sagrada Eucaristia de pé, mas inclusive tiraram os
genuflexórios obrigando os fiéis a permanecerem sentados ou
em pé, até durante a elevação das espécies eucarísticas
apresentadas para a Adoração.
É
estranho que tais procedimentos tenham sido adotados em
dioceses, pelos responsáveis da liturgia, e nas igrejas
pelos párocos, sem a mais mínima consulta aos fiéis, se bem
que hoje se fale mais do que nunca, em certos ambientes, de
democracia na Igreja.
Ao
mesmo tempo, falando da Comunhão na mão é necessário
reconhecer que se trata de uma prática introduzida
abusivamente e à pressa nalguns ambientes da Igreja
imediatamente depois do Concilio, alterando a secular
prática anterior e transformando-se em seguida como prática
regular para toda a Igreja. Justificava-se tal
mudança dizendo que refletia melhor o Evangelho ou a prática
antiga da Igreja.
É
verdade que se se recebe na língua, se pode receber também
na mão, sendo ambos órgãos do corpo de igual dignidade.
Alguns, para justificar tal prática, referem-se às palavras
de Jesus: “Tomai e comei” (Mc 14, 22; Mt 26,
26). Quaisquer que sejam as razões para sustentar esta
prática, não podemos ignorar o que acontece a nível mundial
em todas partes onde é adotada.
Este gesto contribui para um gradual e crescente
enfraquecimento da atitude de reverência para com as
sagradas espécies eucarísticas.
O costume anterior, pelo contrário, preservava melhor este
senso de reverência. Àquela prática seguiu-se uma
alarmante falta de recolhimento e um espírito de distração
geral.
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O
Papa fala da necessidade de não só entender o verdadeiro
e profundo significado da Eucaristia, como também de
celebrá-la com dignidade e
reverência. Diz que é necessário estar
conscientes “dos gestos e posições, como, por exemplo,
ajoelhar-se durante os momentos salientes da
Oração Eucarística” (Sacramentum Caritatis, 65).
Além
disso, tratando da recepção da Sagrada Comunhão, convida
todos para “que façam o possível para que o gesto, na
sua simplicidade, corresponda ao seu valor de encontro
pessoal com o Senhor Jesus no Sacramento” (Sacramentum
Caritatis, 50).
Nesta
perspectiva é de apreciar o opúsculo escrito por S. Excia.
D. Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Karaganda, no
Cazaquistão, sob o muito significativo título
“Dominus Est”
(é o Senhor). Ele
deseja dar uma contribuição à atual discussão sobre a
Eucaristia, presença real e substancial de Cristo sob
as espécies consagradas do Pão e do Vinho.
É
significativo que D. Schneider inicie a sua apresentação com
uma nota pessoal recordando a profunda fé eucarística da sua
mãe e de outras duas senhoras; fé conservada no meio de
tantos sofrimentos e sacrifícios que a pequena comunidade
dos católicos daquele país padeceu nos anos da perseguição
soviética.
Começando desta sua experiência, que nele suscitou uma
grande fé, admiração e devoção pelo Senhor presente na
Eucaristia, ele apresenta-nos um excursus
histórico-teólogico que esclarece como a prática de receber
a Sagrada Comunhão na boca e de joelhos foi recebida e
exercitada pela Igreja durante um longo período de tempo.
Creio
que chegou a hora de avaliar a prática acima mencionada, de
reconsiderá-la e, se necessário, abandonar a atual,
que de fato não foi indicada nem pela Sacrosanctum Concilium,
nem pelos Padres Conciliares, mas foi aceite depois
da sua introdução abusiva nalguns países.
Hoje mais do que nunca é necessário ajudar o fiel a renovar
uma fé viva na presença real de Cristo sob as espécies
eucarísticas para reforçar assim a vida da Igreja e
defendê-la no meio das perigosas distorções da fé que tal
situação continua a criar.
As
razões de tal medida devem ser não tanto acadêmicas, quanto
pastorais – espirituais como litúrgicas –, em suma, as
que edificam melhor a fé. D. Schneider neste sentido
mostra uma louvável coragem, pois soube entender o
significado das palavras de São Paulo: “mas que tudo
seja para edificação” (1 Cor 14, 26).
+ Malcolm Ranjith,
Secretário da Congregação do Culto Divino e da Disciplina
dos Sacramentos
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